quarta-feira, 22 de julho de 2009

Minha última carta foi aos 17 anos, foi para minha mãe. (Minha última carta, aos 17 anos)

Bom dia, mãe. Hoje seria mais uma segunda-feira normal – para mim e para você -, mas acho que você já tentou me acordar... E não conseguiu, não é? Não se espante, não entre em pânico. Não ligue para ninguém, muito menos para ambulância. Tenho quase certeza de que já estou morta. Pois é, achei melhor assim. Para mim e para você, e talvez para algumas outras pessoas. Pensei muito antes de fazer isso. E vi que isso seria muito mais útil, e você, de fato, seria mais feliz sem a minha bagunça no quarto, a minha louça da madrugada na pia, a minha calcinha que eu sempre esqueço no banheiro. E como pode ver, antes de tomar os remédios - que estão aí em cima do criado mudo -, eu arrumei o meu quarto, acendi um incenso cheiroso, que lhe agrada, lavei toda a louça dos meus lanches da madrugada e depois que sai do banho, pendurei minha calcinha no varal. Mãe, me lembro bem do dia em que tivemos uma daquelas discussões, em que uma fechava a cara para a outra, e nesse dia, você me disse uma coisa que me marcou – não pense que estou falando isso para lhe deixar com peso na consciência, pelo contrário, estou falando isso para no final da carta você refletir, e ver que eu tomei a decisão certa – “você é uma desgraça na minha vida”. É, isso me marcou, na hora fiquei com tanta raiva, e tão triste, eu nem acreditava que você havia dito aquilo para mim, para a pessoa que você dizia amar mais que tudo na vida. Os dias foram passando e a cada briga que tínhamos eu me lembrava dessa frase tua, dessa frase que me perturbou por tanto tempo. E sempre eu pensava em me matar para acabar com a tua infelicidade ao lado meu, para tirar essa ‘desgraça’ da vida tua. Mas, eu tinha medo, e no fundo... O meu pensamento era “ela vai ter que sofrer muito com essa desgraça que saiu do ventre dela. Já que sou a desgraça, farei ela sofrer por muito tempo”. Mas, eu cresci, e vi que isso era um pensamento pobre demais, um pensamento que não me levaria a nada, porque apesar deu ser a desgraça de tua vida, você sempre se fez presente quando precisei – e nem foi preciso te chamar -, você sempre me deu tudo o que eu precisava, e por incrível que pareça, acho que até carinho tu me deu, e foi um carinho sincero. Então, vi que a melhor e mais justa decisão era eu sair da vida tua para sempre – talvez não de espírito, mas pelo menos de corpo – e deixar você ser feliz. Obrigada por tudo, me perdoe por tudo. Fiz isso pela felicidade tua. E quanto aos outros... Diga apenas que fiz uma viajem, sem data prevista para voltar.